Não incidência do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte

A não incidência do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular é tema antigo e amplamente debatido nos tribunais de todo o país.
De um lado, os estados defendem a incidência do ICMS com base no conceito da autonomia entre os estabelecimentos e na saída física e jurídica das mercadorias. De outro, os contribuintes entendem que a operação se trata de mero deslocamento físico da mercadoria, sem a transferência de titularidade (saída jurídica), não concretizado, portanto, a hipótese de incidência do ICMS.
Diante do grande número de discussões relacionadas ao tema, o STJ publicou a Súmula nº 166, manifestando o seu entendimento de que não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte.
Da ADC nº 49 e a modulação de efeitos:
Visando alterar o entendimento firmado na Súmula nº 166 do STJ e decretar a constitucionalidade da incidência de ICMS nas transferências entre estabelecimentos da mesma empresa, o Estado do Rio Grande do Norte ajuizou a ADC nº 49, julgada improcedente pelo STF em 19/04/2021, conforme decisão abaixo:
O Tribunal, por unanimidade, julgou improcedente o pedido formulado na presente ação, declarando a inconstitucionalidade dos artigos 11, §3º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, §4º, da Lei Complementar Federal n. 87, de 13 de setembro de 1996, nos termos do voto do Relator. Falou, pelo requerente, o Dr. Rodrigo Tavares de Abreu Lima, Procurador do Estado do Rio Grande do Norte. Plenário, Sessão Virtual de 9.4.2021 a 16.4.2021.
O estado opôs Embargos de Declaração visando a modulação dos efeitos da decisão, que foram julgados procedente em 19/04/2023, para que a não incidência do ICMS nas referidas operações tenham eficácia somente a partir do exercício financeiro de 2024:
O Tribunal, por maioria, julgou procedentes os presentes embargos para modular os efeitos da decisão a fim de que tenha eficácia pró-futuro a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito, e, exaurido o prazo sem que os Estados disciplinem a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular, fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos, concluindo, ao final, por conhecer dos embargos e dar-lhes parcial provimento para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do art. 11, § 3º, II, da Lei Complementar nº 87/1996, excluindo do seu âmbito de incidência apenas a hipótese de cobrança do ICMS sobre as transferências de mercadorias entre estabelecimentos de mesmo titular. Tudo nos termos do voto do Relator, vencidos, em parte, os Ministros Dias Toffoli (ausente ocasionalmente, tendo proferido voto em assentada anterior), Luiz Fux, Nunes Marques, Alexandre de Moraes e André Mendonça. Ausente, justificadamente, a Ministra Cármen Lúcia, que proferiu voto em assentada anterior. Presidência da Ministra Rosa Weber. Plenário, 19.4.2023.
Dessa forma, os contribuintes deverão continuar destacando o ICMS nas operações de transferência de mercadorias ocorridas até 31/12/2023, ressalvadas as empresas que possuíam processos pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento (28/04/2021), bem como se apropriando do crédito nos estabelecimentos destinatários. Somente a partir de 01/01/2024 as operações de transferência estarão amparadas pela não incidência do ICMS.
Conforme se extrai da decisão dos embargos de declaração, restou assegurada a manutenção do crédito pelos estabelecimentos remetentes das mercadorias, mesmo a saída posterior sendo amparada pela não incidência do ICMS, em respeito ao princípio da não-cumulatividade do imposto. Assim como a manutenção dos créditos, restou assegurada a sua transferência aos estabelecimentos destinatários das mercadorias.
Do Projeto de Lei do Senado nº 332/18:
Ainda há incerteza sobre como se dará a transferência e a manutenção do crédito mencionadas no tópico anterior, visto que ainda não há uma definição sobre a regulamentação do tema a partir de janeiro/2024.
A solução mais avançada é o Projeto de Lei do Senado nº 332/18, de autoria do Senador Fernando Bezerra Coelho (MDB/PE), aprovado pelo Plenário do Senado em 09/05/2023 e remetido à Câmara dos Deputados. Atualmente está pendente de votação.
O PLS 332/18 tem a finalidade de uniformizar o entendimento do STF a partir de janeiro de 2024, garantindo a manutenção dos créditos e tornando opcional o destaque do imposto pelo contribuinte nas operações de transferência das mercadorias entre os estabelecimentos de sua titularidade.
Além disso, o projeto almeja assegurar que os estabelecimentos que gozam de benefícios fiscais não sejam prejudicados ao transferir mercadorias para suas filiais, especialmente em operações interestaduais, visto que a maioria dos benefícios está condicionada a tributação na saída.
Diante do exposto, nos termos da decisão do STF, as transferências entre os estabelecimentos no mesmo titular serão tributadas normalmente até 31/12/2023, passando a não incidir o ICMS nas operações a partir de 01/01/2024.
Todavia, os contribuintes devem acompanhar a evolução dos projetos que visam uniformizar o entendimento do judiciário, notadamente o PLS 332/18, que a partir de janeiro de 2024 (se aprovado) terá o condão de regulamentar a matéria.
A Tróia encontra-se à disposição para esclarecimentos adicionais.
Giovani Savaris e Marcos Belini Comachio
Setor de Tributos Indiretos