Lei 15.270/2025: análise geral, isenções aplicáveis e suas controvérsias com o ornamento contábil vigente
Com a conversão do Projeto de Lei nº 1.087/2025 na Lei Ordinária 15.270/2025, foram introduzidas importantes alterações na tributação do Imposto de Renda. Os aspectos técnicos relacionados às novas formas de tributação, faixas de valores e regras de cálculo foram abordadas em nosso artigo “Reforma do Imposto de Renda: Entenda o PL 1087/2025 e o impacto no seu bolso”. Neste artigo, analisam-se as isenções concedidas pela nova lei e suas contradições e incompatibilidades com as normas societárias e diretrizes contábeis.
Por conta da referida alteração legislativa, o art. 6º-A da Lei 9.250/1995 passa prever a incidência de Imposto de Renda à uma alíquota de 10% sobre todos os lucros e dividendos pagos por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física, dentro do mesmo mês, quando esses valores ultrapassarem R$ 50.000,00, exceto quando os lucros e dividendos forem apurados até o ano-calendário de 2025 e cuja distribuição tenha sido aprovada até 31 de dezembro de 2025, hipótese em que não estarão sujeitos às alíquotas previstas pela nova lei.
Neste mesmo sentido, o artigo 16-A da Lei 9.250/1995 passa a disciplinar a chamada tributação anual de altas rendas, aplicável a todos os contribuintes cujos rendimentos totais sejam superiores a R$ 600.000,00 ao ano. Para compor a base de cálculo dessa tributação, devem ser somados todos os rendimentos recebidos no ano, incluindo:
- Os rendimentos tributados exclusivamente na fonte.
- Os rendimentos isentos.
- Os rendimentos sujeitos à alíquota zero ou reduzida.
- O resultado da atividade rural, conforme Lei nº 8.023/1990.
Sobre o total encontrado desses valores, aplicam-se as deduções previstas no parágrafo 1º, do mesmo artigo, conforme ilustrado no esquema abaixo:

Note-se que, dentre as deduções mais relevantes, destacam-se os lucros e dividendos, que somente serão dedutíveis se:
- Tiverem sido apurados até 2025.
- Sua distribuição tiver sido aprovada até 31/12/2025.
- O pagamento ocorrer entre 2026 e 2028.
Ao analisar a situação sob a perspectiva das normas contábeis e societárias, observam-se importantes divergências de ordem procedimental. Condicionar a isenção tributária à aprovação formal dos resultados pela assembleia de acionistas ou sócios até 31 de dezembro de 2025 é incompatível com as normas técnicas e regulamentações legais estabelecidas e está em desacordo com o ciclo padrão de encerramento, elaboração e aprovação das demonstrações financeiras.
Veja-se o que dispõem a Lei das Sociedades por Ações e o Código Civil:
Lei 6.404/76
Art. 132. Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do exercício social, deverá haver 1 (uma) assembléia-geral para:
I – tomar as contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações financeiras;
II – deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e a distribuição de dividendos;
III – eleger os administradores e os membros do conselho fiscal, quando for o caso;
IV – aprovar a correção da expressão monetária do capital social (artigo 167).
Código Civil
Art. 1.078. A assembléia dos sócios deve realizar-se ao menos uma vez por ano, nos quatro meses seguintes à ao término do exercício social, com o objetivo de:
I – tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço patrimonial e o de resultado econômico;
II – designar administradores, quando for o caso;
III – tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia.
Como visto, ambas as legislações acima apresentadas estipulam que a assembleia responsável pela aprovação das contas, das demonstrações financeiras e da destinação do resultado deve ser realizada nos quatro primeiros meses do exercício subsequente ao encerramento do ano. Portanto, segundo estas leis, não é possível deliberar sobre lucros, dividendos ou qualquer destinação do resultado antes do clico completo de elaboração e conclusão das demonstrações financeiras (incluindo auditoria, quando aplicável), diferentemente do que refere a Lei nº 15.270/25.
Outro ponto conflitante decorre da permissão para que os dividendos aprovados até 31/12/2025 possam ser pagos entre 2026 e 2028, com a manutenção da isenção tributária, o que contraria diretamente as disposições da Lei das Sociedades por ações (Lei 6.404/76). O artigo 205, § 3º, da referida lei, estabelece um prazo de 60 dias após a deliberação para pagamento de dividendos, salvo disposição contrária da assembleia, mas sempre dentro do mesmo exercício social:
Art. 205. A companhia pagará o dividendo de ações nominativas à pessoa que, na data do ato de declaração do dividendo, estiver inscrita como proprietária ou usufrutuária da ação. […]
§ 3º O dividendo deverá ser pago, salvo deliberação em contrário da assembléia-geral, no prazo de 60 (sessenta) dias da data em que for declarado e, em qualquer caso, dentro do exercício social.
A exigência de deliberar e aprovar os resultados financeiros até 31/12/2025 compromete a integridade do processo contábil e a confiabilidade das demonstrações financeiras. Qualquer deliberação realizada antes do encerramento formal do exercício, da contabilização integral de todos os eventos e, se aplicável, da conclusão da auditoria, implica o uso de informações não auditadas, incompletas e potencialmente incorretas. Essa prática afronta os princípios estruturantes da contabilidade, como por exemplo:
- Apresentação das Demonstrações Contábeis (NBC TG 26 – R5): A norma determina que as demonstrações financeiras possuem a finalidade de representar fielmente a situação patrimonial e financeira, bem como o desempenho geral da entidade, referentes ao exercício social. É crucial destacar que a elaboração dessas demonstrações deve ser iniciada somente após o encerramento contábil e a completa e integral contabilização de todos os eventos relevantes que ocorreram no período. Este processo assegura a precisão e a confiabilidade das informações reportadas.
- Eventos Subsequentes (NBC TG 24): De acordo com esta norma, é somente após o encerramento do exercício social que a entidade pode identificar e avaliar todos os eventos ocorridos entre a data-fim do balanço e a data de autorização para emissão das demonstrações. Tais eventos podem ter o potencial de impactar significativamente e alterar o resultado contábil final previamente apurado.
Importante salientar que se encontra em tramitação, no Senado Federal, o PL nº 5.473/2025, que tem por objetivo aprimorar a alteração legislativa promovida pela Lei 15.270/2025, a partir de quatro pontos principais:
I. elevação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), para as instituições de pagamento (fintechs);
II. alteração da tributação incidente sobre as apostas (bets) de quota fixa;
III. ajustes pontuais nas tributações introduzidas pela Lei nº 15.270/2025;
IV. instituição de mecanismo de regularização tributária voltado às pessoas físicas de baixa renda.
No que tange às alterações propostas para a tributação de lucros e dividendos, diversas emendas foram apresentadas ao texto original do Projeto de Lei, destacando-se a de nº 75, que foi acolhida pelo relator. Esta emenda modifica o marco temporal para aferição da isenção do Imposto de Renda sobre os lucros e dividendos, referentes aos lucros apurados até 31 de dezembro de 2025. Ao invés de exigir a aprovação da distribuição de lucros e dividendos até o encerramento do mesmo exercício, ou seja, até 31 de dezembro de 2025, o texto passaria a vincular o benefício à data legal prevista para a realização da assembleia geral ordinária, ou seja, 30 de abril de 2026, nos termos previstos na Lei nº 6.404/1976.
Ao realizar uma análise geral da Lei nº 15.270/2025, podemos concluir que embora tenha objetivado o aprimoramento da tributação do Imposto de Renda (especialmente sobre lucros e dividendos), gerou inconsistências no âmbito societário e contábil.
As obrigações atribuídas à manutenção da isenção do IRRF sobre dividendos relativos aos lucros apurados até 2025, exigem apuração, aprovação e distribuição até 31 de dezembro de 2025, devendo seu respectivo pagamento ocorrer nos anos de 2026 a 2028, o que conflita diretamente com Lei das Sociedades por Ações, o Código Civil e os Pronunciamentos Contábeis, conforme já detalhado no decorrer deste artigo, comprometendo a regularidade dos procedimentos.
Caso o PL 5.473/2025 seja sancionado, haverá uma solução parcial para as divergências introduzidas pela Lei nº 15.270/2025, eis que restarão sanadas as incompatibilidades relativas à apuração e deliberação da distribuição dos resultados apurados até 31 de dezembro de 2025.
Por outro lado, remanesceria a lacuna relacionada à obrigatoriedade de que o pagamento de lucros e dividendos deliberados em assembleia, que de acordo com a Lei nº 15.270/2025 poderá ocorrer até 2028, enquanto a Lei das S.A dispõe que o pagamento dos dividendos deve ocorrer no mesmo exercício social em que foram declarados.
A Tróia permanece à disposição para orientar e conduzir todo o processo, sobretudo diante do curto prazo para implementação das providências necessárias.
Kellen Kristine Perazzoli
Setor Societário
