Posicionamento dos Estados em relação a não incidência do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular

No dia 01/08/2023 a Tróia Consultoria Empresarial publicou artigo informando acerca dos desdobramentos da ADC 49, que discutia a não incidência do ICMS nas transferências entre estabelecimentos do mesmo contribuinte.
O referido artigo pode ser acessado através do seguinte link.
Em suma, a ADC 49 foi julgada improcedente em 19/04/2021, firmando o entendimento de que não incide o ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa. Além disso, houve a modulação dos efeitos da decisão para que a não incidência do ICMS nas referidas operações passasse a ser aplicada somente a partir do exercício financeiro de 2024.
Tal decisão também assegurou aos contribuintes o direito ao crédito do imposto em relação as operações anteriores, bem como a sua transferência ao estabelecimento de destino das mercadorias.
Diante disso, e tendo em vista as publicações da Lei Complementar nº 204/2023 e do Convênio ICMS nº 109, de 03 de outubro de 2024, cumpre-nos analisar o entendimento dos estados sobre a matéria.
Lei Complementar nº 204/2023:
No dia 29 de dezembro de 2023 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei Complementar nº 204/2023, que alterou a Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) para incluir a previsão de que não se considera ocorrido o fato gerador do imposto na saída de mercadoria de estabelecimento para outro de mesma titularidade, mantendo-se o crédito relativo às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte.
A Lei tornou facultativa ao contribuinte a opção por tributar as operações de transferências de mercadorias (mediante equiparação).
Dessa forma, em consonância com a decisão proferida na ADC nº 49, a partir de 01/01/2024 as referidas operações não estão abrangidas pela incidência do imposto.
Convênio ICMS 109/2024:
No dia 07/10/2024, visando dar efetividade à Lei Complementar nº 204, o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) publicou o Convênio ICMS 109, em substituição ao Convênio ICMS nº 178/2023, trazendo novas regras para a transferência dos créditos de ICMS nas operações interestaduais entre estabelecimentos de mesma titularidade, com efeitos a partir de 1º de novembro de 2024.
Posicionamento dos Estados sobre a matéria
Diversos Estados já adequaram as suas legislações internas à decisão proferida pelo STF, no sentido da não incidência do imposto nas operações de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, bem como já atualizaram os seus regulamentos com as disposições trazidas pelo Convênio 109/2024.
Entretanto, diferentemente do que dispõe o Convênio e contrariando a própria decisão do STF, os estados têm tratado como obrigatória a transferência do crédito ao estabelecimento de destino, cabendo ao contribuinte apenas decidir a forma pela qual será dada a transferência: 1) do crédito em relação a operação anterior ou 2) equiparação à operação tributada.
O estado de São Paulo inclusive já se posicionou em respostas a consultas neste sentido:
Resposta à Consulta Tributária nº 30988/2024, de 24 de janeiro de 2025:
(…)
II. É obrigatória a transferência de crédito do ICMS do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino na transferência de bens e mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.
III. Para tanto, o contribuinte poderá optar pela forma como pretende realizar a transferência de seus créditos, se por meio do regramento trazido pelo §4º do artigo 12 da Lei Complementar 87/1996 (cláusulas primeira à quarta do Convênio ICMS 109/2024), ou, alternativamente, por meio do regramento trazido pelo §5º do mesmo artigo, segundo o qual, por opção do contribuinte, a transferência de mercadorias poderá ser equiparada a uma operação sujeita à ocorrência do fato gerador do imposto, realizada com a mesma mercadoria entre estabelecimentos de titulares distintos (cláusula sexta do Convênio ICMS 109/2024).
Na mesma linha, o estado de Minas Gerais publicou em seu site oficial uma cartilha em relação à operação a partir de janeiro/2025, de onde se extrai o seguinte texto:
Não incide o ICMS na transferência de mercadoria para outro estabelecimento do mesmo titular que não optar pela equiparação a fato tributável. Nesse caso, o contribuinte deverá promover a transferência de crédito do imposto relativo às operações e prestações anteriores, sob pena de estorno.
Em ambas as opções, a transferência do crédito deve ser realizada mediante o destaque do ICMS na nota fiscal de saída, o que equivale a uma forma de tributação e vem na contramão do que foi decidido pelo STF.
Outro ponto relevante apresentado no Convênio 109/2024 é o de que fica assegurado ao estabelecimento remetente apenas a diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e prestações anteriores e o resultado da aplicação dos percentuais das alíquotas interestaduais (parágrafo único da cláusula primeira do Convênio 109/2024).
Os Estados de São Paulo e Minas Gerais também já se posicionaram em relação à esta previsão, conforme transcrito abaixo:
São Paulo – Resposta à Consulta nº 30856/2024, de 27 de dezembro de 2024:
10.2. Já na Unidade Federada de origem, os créditos serão assegurados em caso de diferença positiva entre aqueles pertinentes às operações e prestações anteriores e o transferido na forma do subitem anterior, conforme o inciso II do § 4º do artigo 12 da Lei Complementar 87/1996.
11. Note-se que a sistemática trazida pelo § 4º do artigo 12 da Lei Complementar 87/1996 garante a manutenção da totalidade do crédito, sendo parte dele devido em face da UF de origem e parte em face da UF de destino. Cada uma dessas UFs deve suportar exatamente o montante de crédito estipulado pela Lei Complementar; nem mais, nem menos.Minas Gerais – Cartilha Transferência de Bens e Mercadorias entre Estabelecimentos de Mesma Titularidade – Janeiro/2025:
O estado de origem assegurará, a título de aproveitamento de crédito, apenas a diferença positiva entre os créditos oriundos das operações e prestações anteriores e o resultado da aplicação da alíquota interestadual do ICMS sobre o valor da transferência.
O estado de destino somente está obrigado a assegurar os créditos até o teto consistente no resultado da aplicação da alíquota interestadual do ICMS sobre o valor da transferência.
Percebe-se que pela previsão de manutenção apenas da diferença positiva pelo estado de origem, o entendimento dos estados é de que caso a empresa opte por não transferir o crédito de ICMS das operações anteriores, esse valor não será reconhecido pelo estado de origem, sob pena de exigência de estorno ou autuação fiscal.
Com isso, o estado reforça a exigência da transferência do crédito, de modo que cenário fica muito parecido (com raras exceções) ao cenário anterior ao julgamento da ADC 49, quando a operação era tributada normalmente.
Sendo assim, visando não incorrer em erros ou prejuízos nas referidas operações, cabe às empresas observar a adequação da legislação interna de cada estado e o entendimento de cada um em relação as alterações trazidas pelo Convênio 109/2024.
A Tróia encontra-se à disposição para esclarecimentos adicionais.
Marcos Belini Comachio e Natalia Cecatto Comachio
Setor de Tributos Indiretos