Recurso Especial nº 2.071.754/SC – Posicionamento divergente do STJ quanto à tributação de indébitos tributários pelo IRPJ/CSLL

A adequada tributação pelo IRPJ e CSLL dos valores auferidos de indébitos tributários reconhecidos judicialmente exige uma análise detalhada do contexto e das hipóteses aplicáveis, conforme elencado pela Tróia Consultoria em 05/03/2024 (https://troiaconsultoria.com.br/solucao-de-consulta-cosit-n-308-de-15-12-2023-tributacao-de-indebitos-tributarios-a-partir-do-registro-contabil/):
Entretanto, em 12/03/2024 o tema ganhou um novo capítulo. Ao julgar o Recurso Especial n° 2.071.754-SC, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que “o IRPJ e a CSLL incidirão após o deferimento do pedido de prévia habilitação do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado”.
No caso sob análise, o Contribuinte pleiteava a incidência tributária somente após a homologação expressa ou tácita da compensação do indébito tributário. Entretanto, por unanimidade, os Ministros compreenderam que o IRPJ e CSLL devem incidir após o deferimento do pedido de prévia habilitação do crédito decorrente de decisão judicial ilíquida transitada em julgada, momento em que há a disponibilidade jurídica do acréscimo patrimonial, ainda que posteriormente a declaração de compensação esteja sujeita a homologação expressa ou tácita pela Fazenda Nacional, conforme ementa abaixo:
EMENTA
TRIBUTÁRIO. IRPJ. CSLL. COMPENSAÇÃO. DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. FATO GERADOR. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO DECORRENTE DE DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO.
I. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que não há violação do art. 1.022 e ao art. 489 do CPC/2015, quando o Tribunal a quo se manifesta clara e fundamentadamente acerca dos pontos indispensáveis para o desate da controvérsia, apreciando-a e apontando as razões de seu convencimento, ainda que de forma contrária aos interesses da parte, como verificado na hipótese.
II. O aspecto material do IR se perfaz com a aquisição de disponibilidade econômica e jurídica de rendas ou de proventos de qualquer natureza (acréscimo patrimonial), independentemente da denominação, condição jurídica, origem ou forma de percepção das receitas ou dos rendimentos, nos termos do caput e § 1º do art. 43 do CTN.
III. A disponibilidade econômica dar-se-á nas situações de fato e jurídicas em que se verifica a disposição material da renda ou dos proventos, independentemente do efetivo recebimento de recursos financeiros, da materialização em dinheiro ou da “utilidade” da renda (disponibilidade financeira).
IV. A disponibilidade jurídica surge a partir da atribuição da titularidade de direito de conteúdo econômico capaz de ampliar o patrimônio do contribuinte, referindo-se a uma situação jurídica em que se constata a perfectibilização dos elementos, inclusive acidentais, para o recebimento da renda ou dos proventos.
V. A compensação dos créditos decorrentes de decisão judicial transitada em julgado, em um primeiro momento, está condicionada à abertura do processo administrativo de prévia habilitação do aludido crédito perante a Receita Federal do Brasil, na forma do art. 100 e seguintes da Instrução Normativa RFB n. 2.055/2021.
VI. O procedimento de prévia habilitação do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgada tem por escopo a confirmação de que o sujeito passivo da obrigação tributária figura no polo ativo da demanda judicial e de que a certificação de ser o tributo administrado pela RFB, bem como objetiva a verificação do efetivo trânsito em julgado da demanda e da inexistência de prescrição.
VII. Deferida a habilitação do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, os créditos a compensar poderão ser posteriormente declarados pela contribuinte na forma do § 1º do art. 74 da Lei n. 9.430/1996. A compensação declarada, conforme se extrai do § 2º do art. 74 da Lei n. 9.430/1996, extingue o crédito tributário, submetendo-se à condição resolutória de ulterior homologação, a ser realizada no prazo do § 5º do art. 74 da Lei n. 9.430/1996.
VIII. Nos termos dos arts. 127 e 128 do Código Civil, a condição resolutória, enquanto não se realizar efetivamente, não será capaz de extinguir o direito a que ela se opõe. Ou seja, a previsão de uma condição resolutória não interfere por si só na certeza, na liquidez e na exigibilidade de eventual crédito decorrente de uma obrigação, não impedindo a produção de efeitos e a aquisição do direito.
IX. A declaração de compensação, ao apresentar as informações sobre a existência e a extensão dos créditos a compensar, é juridicamente apta a extinguir o crédito tributário, conquanto possa ocorrer a condição resolutória de não homologação pelo Fisco.
X. Desse modo, o IRPJ e a CSLL incidirão após o deferimento do pedido de prévia habilitação do crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado, quando se constata a disponibilidade jurídica do acréscimo patrimonial, ainda que a posterior declaração de compensação esteja sujeita à homologação expressa ou tácita pela Fazenda Nacional.
XI. Recurso especial parcialmente provido. (grifou-se)
Embora o acórdão acima não tenha transitado em julgado até o momento, o fato acende um alerta aos contribuintes, pois este entendimento antecipa o momento da incidência tributária de IRPJ/CSLL em relação ao que consta na Solução de Consulta COSIT n° 183/2021, a qual estabelece que a tributação ocorre na data de transmissão da primeira compensação (DCOMP).
O sócio da Queiroz Miotto Advogados, Alissiano Miotto, lembra que a matéria é controversa há décadas e que a discussão a respeito do momento da tributação de indébitos reconhecidos por decisão judicial contempla um intervalo em que o fisco defende a ocorrência do fato gerador do IRPJ e da CSLL em datas mais pretéritas, enquanto os contribuintes defendem a ocorrência em datas mais ao futuro.
Ainda que a RFB tenha supostamente consolidado seu entendimento por ocasião da Solução de Consulta COSIT nº 183/2021, posteriormente, em 15/12/2023, ela proferiu a Solução de Consulta COSIT nº 308/2023 em que expressa seu entendimento no sentido de que, se o contribuinte contabilizou o direito creditório antes do trânsito em julgado – por conseguinte, antes da habilitação do crédito – o fato gerador do IRPJ/CSLL ocorre no momento da contabilização. Novamente, mais ao passado.
Neste contexto, considerando que os contribuintes entendem, com bons fundamentos, que a incidência do fato gerador ocorreria somente no momento da homologação da compensação – o que pode ocorrer em até cinco anos após o encontro de contas – a decisão do STJ optou por um momento intermediário, que marca o início do período em que o contribuinte pode dispor de seu direito na proporção dos débitos compensáveis que gera.
Novos ingredientes podem ser adicionados à esta discussão caso a Medida Provisória nº 1.202/2023, que inclui o artigo 74-A à Lei nº 9.430/1996, seja convertida em Lei da forma como editada, limitando o exercício do direito à compensação tributária, arremata o advogado.
Se prevalecer tal entendimento no STJ, é possível que o Fisco venha a alterar sua posição em solução de consulta.
A Tróia Consultoria Empresarial permanecerá monitorando o assunto e encontra-se à disposição para dirimir quaisquer dúvidas a respeito de IRPJ e CSLL.
Afonso Baldissera e Mayara Stratmann da Silva
Setor de Tributos Sobre a Renda