Notas fiscais de devolução de emissão própria – cuidado quanto a circulação da mercadoria

A devolução de mercadoria é uma operação que faz parte do cotidiano das empresas e geralmente ocorre quando há desacordo comercial, mercadoria com defeito ou alguma incompatibilidade com o pedido.
No mundo fiscal, toda operação deve ser devidamente documentada, sempre em estrita conformidade com a legislação local. No caso de devolução de mercadoria, há a obrigatoriedade de emissão de nota fiscal com a finalidade de anular, total ou parcialmente, a operação que não foi concretizada.
Todavia, o contribuinte deve ficar atento às regras locais para não incorrer em infrações que podem acarretar autuações fiscais com multas pesadas, que geralmente são fixadas sobre o valor da operação.
Por exemplo, no Estado de São Paulo, a operação que frequentemente gera inconsistências é emissão de nota fiscal de devolução quando a circulação da mercadoria não se efetivou.
Essa situação pode ser observada na Resposta à Consulta Tributária nº 27315/2023 e na Portaria CAT 162/2008, ambas citadas abaixo, confira-se:
Resposta à Consulta Tributária nº 27315/2023, de 10 de março de 2023:
(…)
7. Nos casos em que não há saída, a circulação da mercadoria não se efetivou e, desse modo, em tese, sequer deveria ter sido emitida Nota Fiscal já que não existe operação a ser documentada. Além disso, não houve saída em devolução por parte do estabelecimento destinatário original (cliente da Consulente) ou entrada da mercadoria no estabelecimento remetente original (Consulente).
8. Assim, a emissão de Nota Fiscal de devolução não é legalmente prevista para cancelar uma NF-e emitida e, portanto, nos termos do artigo 204 do RICMS/SP, este procedimento não é permitido.
9. Para estas situações o procedimento correto é o de cancelamento da Nota Fiscal, expresso e legalmente previsto no artigo 18º, inciso I, alínea “a”, da Portaria CAT 162/2008.
Portaria CAT 162/2008:
Artigo 18 – O contribuinte emitente:
I – Deverá solicitar o cancelamento da NF-e, mediante Pedido de Cancelamento de NF-e, transmitido à Secretaria da Fazenda, quando, observadas as demais disposições da legislação pertinente, cumulativamente: (Redação dada ao inciso pela Portaria CAT-173/09, de 01-09-2009; DOE 02-09-2009)
a) não tenha ocorrido a circulação da mercadoria ou a prestação do serviço;
Trata-se de uma prática muito comum onde empresas emitem uma nota fiscal de devolução de emissão própria como forma de anular operações em que não ocorreu a circulação da mercadoria, principalmente em casos de emissão de notas fiscais com os dados do cliente incorretos.
Entretanto, este tipo de operação não é reconhecido pelo fisco paulista e pode resultar em penalidades para a empresa, como multas e autuações por crédito indevido do imposto de acordo com as disposições do artigo 85, incisos II e IV da Lei nº 6.374/89:
Artigo 85 – O descumprimento das obrigações principal e acessórias, instituídas pela legislação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, fica sujeito às seguintes penalidades:
(…)
II – infrações relativas ao crédito do imposto:
(…)
d) crédito do imposto, decorrente de escrituração de documento que não corresponda a entrada de mercadoria no estabelecimento ou a aquisição de propriedade de mercadoria ou, ainda, a serviço tornado – multa equivalente a 30% (trinta por cento) do valor indicado no documento como o da operação ou prestação, sem prejuízo do recolhimento da importância creditada e da anulação da respectiva escrituração;
(…)
IV – infrações relativas a documentos fiscais e impressos fiscais:
(…)
z1) falta de solicitação de cancelamento de documento fiscal eletrônico, quando exigido pela legislação, ou solicitação de cancelamento desses documentos após transcurso do prazo regulamentar – multa equivalente a 10% (dez por cento) do valor da operação ou prestação constante do documento, nunca inferior a 15 (quinze) UFESPs, por documento ou impresso; no caso de solicitação após transcurso do prazo regulamentar, multa equivalente a 1% (um por cento) do valor da operação ou prestação constante do documento, nunca inferior a 6 (seis) UFESPs, por documento ou impresso; (NR)
A título de exemplo, caso uma empresa que tenha emitido notas fiscais de devolução no valor total de R$ 1.000.000,00, sem que tenha ocorrido a circulação da mercadoria, poderá receber uma autuação no valor de R$ 580.000,00, sendo:
- Crédito indevido de ICMS na entrada: R$ 180.000,00 (considerando alíquota de 18%);
- Multa de 30% sobre o valor da operação em relação a emissão de documento fiscal que não corresponde a efetiva entrada de mercadoria: R$ 300.000,00;
- Multa de 10% em relação a falta de cancelamento do documento fiscal de saída: R$ 100.000,00.
Cabe destacar que recentemente o fisco paulista intensificou a fiscalização para a validação deste tipo de operação. Passou a ser prática comum dos agentes fiscais a solicitação à apresentação de documentos que comprovem a efetiva circulação das mercadorias.
No caso de não apresentação da documentação, parte-se para a lavratura de auto de infração e a abertura de contencioso administrativo fiscal.
Por conta disso, para que os contribuintes não sejam surpreendidos com autuações fiscais em operações que não apresentam qualquer ganho tributário, é recomendável a guarda dos documentos que acobertaram a saída e retorno das mercadorias que foram objeto de devolução.
Assim como sugere-se realizar a regularização (mediante denúncia espontânea, por exemplo) nos casos de emissão de notas fiscais de devolução em que não houve a circulação.
A Tróia encontra-se à disposição para esclarecimentos adicionais.
Marcos Belini Comachio e Mayara Cristina Nunes
Setor de Tributos Indiretos