Mudança do entendimento do CARF quanto ao pagamento extemporâneo de juros sobre o capital próprio de períodos anteriores

Muito conhecidos no âmbito empresarial, sobretudo no mercado de capitais, os juros sobre o capital próprio (JCP) constituem uma forma de remuneração dos titulares, sócios, acionistas ou associados pelo capital investido na própria empresa.
Diferentemente dos dividendos, que se caracterizam pela distribuição dos lucros auferidos pela empresa e que não afetam o seu resultado, os juros sobre o capital próprio adquirem, para aquela, a natureza de despesa financeira.
Os JCP são dedutíveis para fins de determinação do lucro real, desde que observadas as determinações legais contidas no art. 9° da Lei n° 9.249, de 26/12/1995.
Referido dispositivo permite a dedutibilidade do JCP na apuração do IRPJ e CSLL apurados com base no lucro real desde que calculados a partir da variação, pro rata dia, da TJLP sobre contas contábeis do patrimônio líquido, e desde que estejam disponíveis lucros no exercício corrente ou lucros acumulados de exercícios anteriores em valor igual ou superior ao dobro da remuneração a ser paga.
A todo rigor, as empresas até podem pagar mais JCP que o estabelecido pela Lei nº 9.249/95, no entanto, não poderão deduzir a parcela excedente na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
Sob o prisma fiscal, para empresas tributadas pelo lucro real, o pagamento ou creditamento dos JCP pode representar uma espécie de planejamento tributário, pois equivale aos dividendos (parcela líquida do IRRF) e pode reduzir a carga tributária do IRPJ e CSLL.
Ocorre que, nem sempre, ou nem para todos os exercícios fiscais, o pagamento ou creditamento de JCP implicará economia tributária para a empresa, ao contrário, podem aumentar sua carga tributária, motivo pelo qual deixam de efetuar seu pagamento ou creditamento nestes exercícios.
Assim, é usual que as empresas não paguem JCP quando há ausência de vantagem tributária (o pagamento de JCP resulta em uma despesa dedutível que pode gerar uma economia tributária de até 19%), quando se opta por reter os recursos para outros investimentos ou até mesmo em decorrência de eventual ausência de disponibilidade financeira.
Há, também, casos em que os JCP não foram pagos/creditados por desconhecimento, ou o foram em montante inferior ao de direito, (i) por opção da entidade, (ii) por inconsistência na apuração ou (iii) por uma questão de aproveitamento eficiente e eficaz da economia tributária deles advinda.
A concretização de hipóteses como as mencionadas acima despertou, nos contribuintes, o interesse em pagar/creditar, em exercícios fiscais posteriores, as parcelas de JCP a que teriam direito de considerar como despesas dedutíveis em exercícios anteriores, com base no art. 9º da Lei nº 9.249/95.
Aqueles que assim procederam, encontraram óbice na interpretação dada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ao referido dispositivo legal.
A RFB não aceita o procedimento, alegando que os juros sobre o capital próprio correspondem a uma despesa financeira sujeita ao regime de competência (4° § do art. 75 da IN RFB 1700/2017), de modo que o valor relativo ao JCP de um determinado ano deve ser pago ou creditado naquele mesmo ano para ser dedutível como despesa para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
Os Contribuintes, por sua vez, defendem a inexistência de limitação temporal na Lei n° 9.249/1995 e alegam que podem pagar JCP em período posterior ao que ele se refere e, ainda assim, deduzi-lo como despesa na apuração do IRPJ e da CSLL.
Em função disso, o Fisco e os Contribuintes travaram uma batalha quanto à possibilidade de pagamento extemporâneo dos juros sobre capital próprio de anos anteriores.
Sobre o tema, a jurisprudência no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) apresentava oscilação, predominando o entendimento contrário à pretensão dos contribuintes.
Entretanto, em 03/09/2021 houve uma mudança de posicionamento, eis que a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do CARF reconheceu a possibilidade da dedução extemporânea dos juros sobre capital próprio da base de cálculo do IRPJ e CSLL, relativo a períodos anteriores (Acórdão 9101-005.757, publicado em 04/10/2021).
A tese vencedora reconheceu que, ante a ausência de limitação temporal no art. 9° da Lei n° 9.249/1995, a dedução dos juros não está submetida ao regime de competência, podendo ser feita a redução de tais valores da monta do lucro tributável após deliberação pelo seu pagamento ou creditamento, ainda que o JCP se refira a períodos anteriores.
Este entendimento vem sendo aplicado em casos semelhantes, como visto nos Acórdãos n° 1402-006.001 (publicado 08/02/2022) e 1402-005.973 (publicado em 02/03/2022).
Importante observar que tais julgamentos levaram em consideração o posicionamento da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que no julgamento do REsp 1.086.752/PR, ocorrido em 17/02/2009, reconheceu a inexistência de imposição legal para dedução dos juros sobre capital próprio no mesmo exercício-financeiro em que realizado o lucro da empresa.
A dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio relativo a períodos pretéritos permite que as empresas aumentem o valor da despesa dedutível deles decorrentes, ultrapassando os limites atualmente impostos pela RFB e obtendo economia tributária através da redução do IRPJ e CSLL a pagar.
A Tróia Consultoria encontra-se à disposição para analisar situações específicas e propor as medidas adequadas visando a economia tributária dentro dos limites legais.
Afonso Baldissera
Setor de Tributos Sobre a Renda