Inflexão do posicionamento do TIT em relação aos créditos de ICMS sobre materiais intermediários no Estado de São Paulo

O aproveitamento de crédito de ICMS sobre a aquisição de materiais intermediários é um tema de constante debate e dissidência entre os contribuintes e os Fiscos estaduais. Recentemente, face às novas movimentações jurisprudenciais administrativas e judiciais, o assunto tem ganhado destaque em amplas discussões.
No Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT), historicamente o posicionamento se mostrava majoritariamente contrário aos contribuintes em decisões proferidas pela Câmara Superior. O entendimento firmado pelo TIT era no sentido de que o direito creditório de ICMS deveria ser legitimado pelo consumo integral e imediato das mercadorias no processo produtivo ou sua integração física ao produto final, não sendo suficiente o desgaste gradativo no processo produtivo e respectiva substituição para configurá-las como insumo passível de creditamento.
Nesse sentido, ao não cumprir os requisitos de integração física ao produto final ou consumo integral e imediato no processo produtivo, as mercadorias não seriam classificadas como materiais intermediários, mas sim como materiais de uso e consumo. Essa operação estaria então sujeita à limitação temporal prevista pelo Art. 33, I da Lei Complementar 87/1996, o qual foi postergada para 1º de janeiro de 2033, não sendo possível, portanto, o creditamento do imposto.
Na contramão dos julgamentos proferidos pela Câmara Superior ao longo dos últimos anos, contrários às pretensões dos contribuintes, também houve decisões pontuais favoráveis a nível de Câmaras Julgadoras, em que prevaleceu o entendimento de que o consumo imediato dos materiais não se configura como requisito para o creditamento, mas sim a sua essencialidade à atividade-fim da empresa.
Recentemente, contudo, houve um ponto de inflexão no posicionamento da Câmara Superior do TIT, no julgamento do Recurso Especial nº 4.073.907-7. Apesar de não ter sido encerrado, o entendimento que ora prevalece reflete uma postura flexível e favorável aos contribuintes, de forma que passa a reconhecer o direito ao crédito de ICMS nas aquisições de materiais intermediários, ou seja, materiais essenciais e imprescindíveis ao processo industrial, mesmo que não sejam integrados fisicamente ao produto final ou não sejam consumidos imediata e integralmente na atividade-fim.
Conforme a decisão, os juízes da Câmara Superior, por maioria de votos, evidenciaram que a Lei Complementar nº 87/1996, a Lei Paulista nº 6.374/89 e o regulamento do ICMS de São Paulo não dispõem que o tempo em que o material se desgasta no processo produtivo é um fator determinante para a concessão do direito creditório sobre o material intermediário.
Paralelamente, a Decisão Normativa CAT 01/2001 também não estabelece que o direito ao crédito do imposto esteja condicionado ao requisito de consumo imediato do material utilizado no processo produtivo. A norma, por sua vez, determina que dão direito ao crédito de ICMS as entradas de materiais que se consomem no processo de produção, considerando como insumos a matéria-prima, materiais intermediários e materiais de embalagem.
[…] consideram-se insumos a matéria-prima, o material secundário ou intermediário, o material de embalagem, o combustível e a energia elétrica, consumidos no processo industrial ou empregados para integrar o produto objeto da atividade de industrialização, própria do contribuinte ou para terceiros, ou empregados na atividade de prestação de serviços, conforme as normas detalhadas no subitem 3.4 deste trabalho. Entre outros, incluem-se como exemplos de insumos que se desintegram totalmente no processo produtivo de uma mercadoria ou são utilizados nesse mesmo processo para limpeza, identificação, desbaste, solda, etc.: lixas, discos de corte, discos de lixa, eletrodos, oxigênio e acetileno, escovas de aço, estopa, materiais para uso em embalagens em geral (etiquetas, fitas adesivas, fitas crepe, papéis de embrulho, sacolas, materiais de amarrar ou colar como barbantes, fitas, fitilhos, cordões e congêneres, lacres, isopor utilizado no isolamento e proteção dos produtos no interior das embalagens, e tinta, giz, pincel atômico e lápis para marcação de embalagens), óleos de corte, rebolos, modelos/matrizes de isopor utilizados pela indústria, produtos químicos utilizados no tratamento de água afluente e efluente, e no controle de qualidade e teste de insumos e de produtos.
Ou seja, de acordo com a recente decisão do TIT, a ideia de que o material consumido gradualmente no processo produtivo perderia a condição de “insumo” e se transformaria em “material de uso e consumo” do estabelecimento não encontra respaldo em norma legal, sendo reconhecido como produto intermediário para fins de aproveitamento do crédito.
Contudo, respectivo entendimento provém da ampla compreensão do processo de fabricação em que o material está inserido, de acordo com a atividade-fim de cada indústria. Em qualquer hipótese, o fator determinante para o creditamento é a comprovação da essencialidade e imprescindibilidade do material no processo em questão e seu respectivo consumo.
Aliado a isso, recentemente o STJ julgou os Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 1.775.781/SP e promoveu análise ao tema. Na oportunidade, a Primeira Seção, por unanimidade, considerou que a premissa para aplicação do princípio não cumulativo do ICMS é a essencialidade do material adquirido para a atividade-fim do estabelecimento e assegurou o direito creditório mesmo que o consumo do material seja gradativo ou paulatino.
Portanto, o atributo eleito pelo fisco para negar direito ao crédito, qual seja, o desgaste gradual do material (contrapondo-o ao consumo imediato e integral), não é suficiente para desqualificar a essencialidade do produto intermediário diante do processo produtivo, uma vez que tal material concorre direta e necessariamente para o desenvolvimento da matriz produtiva.
Considerando a importância dos precedentes mencionados acima, cujo entendimento pode alcançar contribuintes do ICMS do setor industrial e de prestação de serviços, torna-se essencial uma análise criteriosa das empresas a respeito desse tema tão relevante e com potencial para gerar impactos financeiros significativos.
A Tróia encontra-se à disposição para esclarecimentos adicionais.
Gabriela Dellani Goetten e Vanessa Abatti
Setor de Tributos Indiretos