ICMS e a industrialização das mercadorias recebidas com fim específico de exportação

As empresas nacionais que pretendam comercializar seus produtos com clientes localizados em outros países dispõem, basicamente, de duas alternativas para efetivar suas exportações: diretamente, em que a própria empresa é a responsável pela remessa ao exterior, ou indiretamente, via trading companies ou empresas comerciais exportadoras (ECE).
No presente texto, será analisada uma situação específica que pode ocorrer em casos de exportações indiretas: a eventual descaracterização da mercadoria remetida para as trading companies ou ECE, por conta de beneficiamento, rebeneficiamento ou industrialização, modifica a natureza da operação com fim específico de exportação em relação à tributação pelo ICMS?
Inicia-se lembrando que a Lei Complementar nº 87/96 estabeleceu que o ICMS não incide sobre as saídas, no mercado interno, com fim específico de exportação. Veja-se o que dispõe seu art. 3º, inciso II:
Art. 3º O imposto não incide sobre:
(…)
II – operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços; (Vide Lei Complementar nº 102, de 2000) (Vide Lei Complementar nº 102, de 2000)
(…)
Parágrafo único. Equipara-se às operações de que trata o inciso II a saída de mercadoria realizada com o fim específico de exportação para o exterior, destinada a:
I – empresa comercial exportadora, inclusive tradings ou outro estabelecimento da mesma empresa;
II – armazém alfandegado ou entreposto aduaneiro.
Para os fins desse artigo, é considerada comercial exportadora toda empresa que realize operações mercantis de exportação e que esteja inscrita no Cadastro de Exportadores e Importadores da Secretaria de Comércio Exterior – SECEX.
Ocorre que muitas empresas comerciais exportadoras têm dúvidas se podem ou não industrializar as mercadorias que foram recebidas com fim específico de exportação, para depois destiná-las ao exterior.
Para esclarecer tal dúvida, primeiramente julga-se necessário analisar o disposto no Convênio ICMS 84/09, que trata das medidas de controle para esse tipo de operação.
Em sua cláusula sexta, inciso IV, o Convênio cita que o ICMS é devido em caso de descaracterização da mercadoria, seja por beneficiamento, rebeneficiamento ou industrialização, conforme transcrito abaixo:
Cláusula sexta O estabelecimento remetente ficará obrigado ao recolhimento do imposto devido, inclusive o relativo à prestação de serviço de transporte quando for o caso, monetariamente atualizado, sujeitando-se aos acréscimos legais, inclusive multa, segundo a respectiva legislação estadual, em qualquer dos seguintes casos em que não se efetivar a exportação:
(…)
IV – em razão de descaracterização da mercadoria remetida, seja por beneficiamento, rebeneficiamento ou industrialização, observada a legislação estadual de cada unidade federada.
A leitura apressada da cláusula sexta acima transcrita pode conduzir ao equivocado raciocínio de que é possível classificar como venda com fim específico de exportação quando há industrialização da mercadoria, desde que ela não perca suas características originais.
Todavia, não é este o entendimento do fisco.
A SEFAZ/SP já se posicionou diversas vezes através de respostas a consultas tributárias com o entendimento de que a mercadoria remetida com fim específico de exportação já deve estar plenamente industrializada quando do envio à empresa que realizará a efetiva exportação, não se permitindo nenhuma espécie de industrialização posterior.
Em resposta à consulta nº 9123M1/2020, a SEFAZ/SP demonstra seu entendimento a respeito da matéria:
RESPOSTA À CONSULTA TRIBUTÁRIA 9123M1/2020, de 12 de maio de 2020.
(…)
8. Convém ressaltar, por oportuno, que a não incidência do ICMS somente é admitida nos casos em que a mercadoria estiver plenamente industrializada, não sendo admitido nem mesmo seu mero acondicionamento. Neste sentido, há posicionamento desta Secretaria da Fazenda por meio da Resposta à Consulta nº 1.058/2000, publicada na área de legislação tributária do website da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, assim ementada: “Inaplicabilidade da não incidência prevista para a saída realizada com o fim específico de exportação quando a mercadoria não estiver plenamente industrializada (pronta e acabada)”.
Além desta, citam-se como exemplo as respostas às consultas nº 4276M1/2020, 22654/2020 e 15375/2017, todas com o mesmo entendimento por parte da SEFAZ/SP.
Este mesmo entendimento é aplicado pelo Estado da Bahia, conforme se verifica no Parecer nº 07365/2013 de 28 de março de 2013, adiante transcrito parcialmente:
SEFAZ/BA – PARECER Nº 07362/2013, DATA: 28/03/2013
(…)
Da análise do dispositivo, verifica-se que, para ser credenciado a promover remessas de mercadorias para o exterior através de empresa comercial exportadora, inclusive “trading”, com o fim específico de exportação, ao abrigo da não incidência do imposto prevista no RICMS-BA/12, art. 407, o contribuinte deve apresentar requerimento à repartição fiscal de sua circunscrição, com a identificação do destinatário, e declaração de que as mercadorias não sofrerão no estabelecimento exportador nenhum processo de beneficiamento ou industrialização, salvo reacondicionamento para embarque (Conv. ICMS 113/96).
Além disso, deve-se saber previamente se a mercadoria remetida será exportada, não sendo permitida a remessa de mercadorias sem o destaque do imposto quando somente após o ingresso no estabelecimento destinatário for definida a sua destinação.
Cabe ressaltar que, de acordo com o Convênio 84/2009, o prazo para que as mercadorias sejam exportadas é de 180 dias, contados da data de saída da mercadoria do estabelecimento remetente, exceto nos casos de produtos primários e semielaborados, cujo prazo para a efetivação da exportação passa a ser de 90 dias. Ambos os prazos podem ser prorrogados pelo mesmo período, uma única vez e a critério do fisco.
Diante do exposto, conclui-se que não é possível realizar qualquer tipo de industrialização nas mercadorias recebidas com fim específico de exportação, mesmo que estas não alterem as características da mercadoria, e ainda assim manter a desoneração fiscal do ICMS.
Caso ocorra qualquer tipo de industrialização, o ICMS da operação de remessa deverá ser recolhido ao Estado de origem da mercadoria.
A Tróia encontra-se à disposição para esclarecimentos adicionais.
Giovani Savaris e Marcos Belini Comachio
Setor de Tributos Indiretos