Esclarecimentos fiscais sobre a caracterização de cessão de mão de obra, para fins da retenção da contribuição previdenciária na prestação de serviços

Recentes Soluções de Consulta da Coordenação Geral de Tributação – COSIT da Receita Federal do Brasil, as quais têm efeito vinculante no âmbito da RFB, trouxeram à tona algumas alterações e esclarecimentos relevantes sobre a caracterização da cessão de mão de obra, para fins da obrigatoriedade da retenção da contribuição previdenciária prevista no artigo 31 da Lei nº 8.212/91 (em redação dada originalmente pela Lei nº 9.711/1998).
É sabido que algumas empresas prestadoras de serviços mediante a cessão de mão de obra, inclusive em regime de trabalho temporário, sujeitam-se à retenção da contribuição previdenciária de 11% do valor bruto da nota fiscal, da fatura ou do recibo de prestação de serviços, a qual é realizada pela empresa contratante dos serviços.
A aplicação da sistemática da retenção requer que a atividade desenvolvida pela prestadora de serviços se enquadre nos serviços descritos no art. 117 ou art. 118 da Instrução Normativa RFB nº 971/2009, detalhados com fundamento no § 2º do art. 219 do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/1999). Apenas para ilustrar, estão previstos, dentre outros, os serviços de limpeza, conservação ou zeladoria, vigilância ou segurança, construção civil, manutenção de instalações, de máquinas ou de equipamentos.
Ultrapassada essa etapa da identificação da atividade, podem surgir dúvidas do que caracterizaria a cessão de mão de obra para ensejar a retenção. No caso das Consulentes em questão, foram levantadas questões como:
É imperativa a presença da subordinação técnica e dependência profissional, devendo, portanto, haver a transferência do poder de direção da mão de obra cedida para o contratante?
Por não prestar serviços que se caracterizam como cessão integral e exclusiva de funcionários e nem tampouco ocorrer a subordinação destes aos seus contratantes, não haveria a cessão de mão de obra?
A manutenção preventiva e corretiva dos equipamentos de sua propriedade, decorrentes do contrato de locação se submetem ao conceito de cessão de mão de obra?
A configuração de fornecimento de mão de obra temporária por ocasião da equipe a disposição da contratante numa eventual manutenção corretiva sujeita a incidência das contribuições previdenciárias sob a alíquota de 11%?
As respostas a esses questionamentos constam nas Soluções de Consulta COSIT nº 75/2021, nº 93/2021, nº 103/2021 e nº 107/2021, publicadas em junho de 2021, as quais serão compiladas nas explicações a seguir.
Segundo a conceituação previdenciária, pode-se dizer que ocorre cessão de mão de obra quando a empresa contratada cede trabalhadores, colocando-os à disposição da empresa contratante, para realizar serviços contínuos, em suas dependências ou nas de terceiros. Assim, os requisitos fundamentais para que a prestação de serviço seja considerada cessão de mão de obra são os três tratados a seguir:
I. OS TRABALHADORES DEVEM SER COLOCADOS À DISPOSIÇÃO DA EMPRESA CONTRATANTE:
O elemento “colocação de mão de obra à disposição” se dá pelo estado da mão de obra de permanecer disponível/exigível para o contratante.
Nesse ponto, houve uma alteração de interpretação, pois, conforme assentado na Solução de Consulta COSIT nº 232/2017, entendia-se que seria necessária a transferência, ao menos parcial, do poder de comando sobre a mão de obra para o tomador do serviço para a caracterização da cessão.
Contudo, a partir da publicação da Solução de Consulta Interna nº 4/2021, ficou consignado que para caracterização da cessão de mão de obra não é necessário que haja qualquer poder de direção ou supervisão do tomador do serviço sobre os trabalhadores que executam a tarefa contratada.
A RFB explicou que “a interpretação equivocada de que “à disposição” pressupunha algum poder de comando sobre a mão de obra cedida por parte da contratante, decorre sobretudo de importação do conceito de cessão constante em dicionários jurídicos – como transferência de direitos. Então, um dos elementos da cessão de mão de obra seria a transferência de algum poder de comando/direção sobre essa mão de obra”.
Além disso, cita a Lei da Reforma Trabalhista, que alterou a Lei nº 6.019/1974 regulamentando a terceirização e reconheceu a figura da cessão de mão de obra na prestação de serviço dirigido plenamente pela contratada, ratificando a pertinência da retenção em análise mesmo que os trabalhadores cedidos atuem sob ordem apenas da executora do serviço, a quem caberia a supervisão e coordenação exclusiva da tarefa.
Tal compreensão foi replicada em todas as Soluções de Consultas citadas nesse artigo.
Conclui-se, portanto, que:
a) quando o contrato tem por objeto o serviço de manutenção (um resultado) e não a cessão de mão de obra para ficar à disposição do contratante para executá-lo, não resta caracterizada a cessão de mão de obra e, portanto, não é aplicável a retenção das contribuições previdenciárias;
b) a transferência do poder de direção, seja parcial ou total, não é exigência ou condição para a satisfação do elemento “colocar à disposição”, e, por conseguinte, da caracterização da cessão de mão de obra.
II. OS SERVIÇOS PRESTADOS DEVEM SER CONTÍNUOS:
Conforme conceituado na Instrução Normativa nº 971/2009, serviços contínuos são “aqueles que constituem necessidade permanente da contratante, que se repetem periódica ou sistematicamente, ligados ou não a sua atividade fim, ainda que sua execução seja realizada de forma intermitente ou por diferentes trabalhadores”.
Verifica-se, pela conceituação normativa, que sua caracterização não guarda relação com a periodicidade contratual, mas sim com a necessidade da empresa contratante. Sob esse aspecto, a norma faz referência à necessidade “permanente”, que se revelaria pela sua repetição periódica ou sistemática.
Esse caráter permanente pode restar evidenciado pelo número de vezes que foi demandado o serviço, embora o critério mais adequado seja o da natureza dos serviços, tomando-se como referencial a empresa contratante. A necessidade permanente é aquela que não é eventual, e eventual é aquilo que ocorre de maneira fortuita, imprevisível.
Ou seja, serviços contínuos podem ser realizados de forma intermitente e por trabalhadores diferentes. Logo, está correta a interpretação de afastar a ideia da necessidade de cessão integral e exclusiva (ou mesmo a pessoalidade) para caracterizar a cessão de mão de obra, pois, o serviço contínuo, predicado da “colocação à disposição”, abarca a prestação de serviço intermitente e impessoal.
O fato de a equipe comparecer periodicamente, ou temporariamente, às dependências da contratada, para a execução do serviço de manutenção, por si, não afasta a caracterização da cessão de mão de obra, de modo que os detalhes do contrato e a forma de sua efetiva execução é que podem confirmar, ou não, esta caracterização.
III. A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DEVE SE DAR NAS DEPENDÊNCIAS DA CONTRATANTE OU NAS DE TERCEIROS:
Quanto à prestação dos serviços nas dependências da contratante ou nas de terceiros, essa caracterização não comporta dificuldade. Nesse aspecto, a RFB explica que apenas quando os serviços forem prestados nas dependências da empresa prestadora dos serviços (contratado) resta afastada a cessão de mão de obra.
Por todo o exposto, frisa-se que para a correta caracterização da cessão de mão de obra na prestação de serviços, e por conseguinte, a aplicação da retenção das contribuições previdenciárias, além do conhecimento quanto aos regulamentos e posicionamento fiscal, deve-se atentar aos detalhes do contrato e a efetiva forma de execução dos serviços contratados.
A Tróia encontra-se à disposição para esclarecimentos adicionais.
Luana Olivo Faistel
Setor de Tributos Sobre a Remuneração e Tributos Diversos