Créditos de ICMS sobre combustíveis na extração da madeira

O setor madeireiro, em seus variados segmentos (papel e celulose, construção civil, moveleiro, entre outros), desempenha um papel de significativa relevância econômica, responsável por impulsionar e fomentar as indústrias que dependem da matéria-prima florestal para a sua produção, bem como auxiliar no desenvolvimento e geração de emprego em diversas regiões.
As etapas produtivas do setor movimentam uma série de atividades, tanto de manejo florestal quanto industrial, que envolvem desde o plantio das mudas de árvores, passando pela extração da madeira, até seu respectivo processamento e industrialização.
As empresas do setor florestal geralmente demandam uma atividade extrativa complexa, com a utilização de diversos veículos, máquinas e implementos florestais especializados para realizar operações de plantio, extração e transporte da madeira. As operações contínuas desses equipamentos implicam um excessivo consumo de combustíveis (óleo diesel), o que reveste um considerável custo para a atividade.
Diante da relevância dessas operações, a apropriação dos créditos de ICMS sobre as aquisições de combustível tende a minimizar o impacto desse custo imprescindível à atividade. Contudo, diferentes interpretações dos Fiscos estaduais podem influenciar a tomada de decisão da empresa quanto à apropriação de tais créditos.
Nesse artigo, serão abordados os diferentes entendimentos envolvidos quanto a tomada de créditos de ICMS sobre aquisição de combustíveis utilizados na atividade florestal, especificamente em relação ao Estado de Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
O Estado de Santa Catarina restringe o aproveitamento dos créditos. A Resolução Normativa nº 45 externa o posicionamento do Fisco Catarinense no sentido de que o óleo diesel empregado no abastecimento de veículos, máquinas e implementos florestais utilizados nas atividades de plantio, extração, transporte e manejo da madeira é considerado como material de uso e consumo, por não integrarem fisicamente o produto final produzido pela empresa (madeira, papel, celulose e derivados).
O entendimento do Fisco Catarinense é de que o óleo diesel se vincula a uma atividade intermediária, motivo pelo qual, mesmo que consumido imediata e integralmente durante as atividades florestais, o aproveitamento dos créditos de ICMS correspondentes é vedado em conformidade com a limitação imposta pelo artigo 33, I, da LC nº 87/1996:
RESOLUÇÃO – 045 – TRANSPORTE DE TORAS EM VEÍCULOS PRÓPRIOS. ÓLEO DIESEL CONSIDERADO CONSUMO DO ESTABELECIMENTO PARA FINS DE CREDITAMENTO.
EMENTA: ICMS. ÓLEO DIESEL UTILIZADO NO TRANSPORTE DE TORAS ATÉ A SERRARIA, EM VEÍCULOS PRÓPRIOS, E NO MANEJO DESSAS MESMAS TORAS E DE MADEIRA SERRADA NO PÁTIO DO ESTABELECIMENTO. CRÉDITO FISCAL CORRESPONDENTE SOMENTE PODERÁ SER APROPRIADO A PARTIR DE 1º DE JANEIRO DE 2007, QUANDO ENTRAR PLENAMENTE EM VIGOR O REGIME DE CRÉDITOS FINANCEIROS, NOS TERMOS DO ART. 33, I, DA LC 87/96.
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“O combustível também não integra fisicamente o produto final – as molduras -; e tão pouco é consumido no processo industrial. Pelo contrário, o combustível é consumido no transporte da matéria-prima dos fornecedores para a indústria.”
O Tribunal Administrativo Tributário (TAT) compactua do mesmo entendimento da COPAT. Veja-se, por exemplo, do resultado do julgamento do processo nº 1470000050515, em que contribuinte do setor foi penalizado por ter apropriado créditos de ICMS oriundos das aquisições de óleo diesel aplicado em suas atividades florestais, em função da caracterização do combustível como mero material de uso e consumo do estabelecimento:
RECURSO ORDINÁRIO. ICMS. APROPRIAÇÃO. CRÉDITO. COMBUSTÍVEL. MAQUINÁRIOS. PLANTIO. CULTIVO. DESBASTES. ÁRVORES.
1) Apropriação indevida de crédito referente à aquisição de combustível utilizado para acionamento de máquinas utilizadas no plantio, cultivo e desbaste de árvores.
2) O direito ao crédito advém da Constituição Federal, mas o seu exercício é regulado por lei complementar, nos termos do art. 155, § 2º, inc. XII, al. “c” da CF/88.
3) Trata-se de aquisições de material de uso e consumo, ocorridas antes da data a que se refere o art. 33, inc. I da Lei Complementar n° 87/96.
4) O combustível não se agrega fisicamente a produto novo, como elemento indispensável à sua composição, condição esta necessária para a legitimação do crédito do imposto, nem tampouco é consumido em processo industrial.
Em sentido oposto ao Estado de Santa Catarina, o Paraná possui posição favorável, que permite às empresas do setor aproveitarem tais créditos. É o que restou evidenciado na Solução de Consulta nº 64/2005:
SÚMULA: ICMS. CRÉDITO. SETOR AGROPECUÁRIO. BENS DE USO OU CONSUMO.
A consulente atuante no ramo de cultivo de pinus, questiona sobre o direito ao crédito do imposto incidente sobre as aquisições de combustíveis, lubrificantes, pneus, câmaras de ar e peças de reposição utilizados em seus tratores, implementos florestais, caminhões de baldeação e de transporte de toras, veículos de transporte de pessoal, de gerentes e de encarregados de produção, e aquisições de equipamentos de segurança em geral, principalmente aqueles que tem contato direto com as toras de pinus e são de maior desgaste, como luvas, aventais, botinas com biqueira de aço, coturnos e calças de motorneiros.
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RESPOSTA
O art. 34 do RICMS, aprovado pelo Decreto n. 5.141, de 12 de dezembro de 2001, garante, ao produtor rural, o direito ao crédito do imposto cobrado na aquisição de insumos de produção, de mercadorias, ainda que destinadas ao ativo permanente, e na prestação de serviços de transporte, destinados à produção.
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Verifica-se, portanto, que a consulente, na situação de produtor rural, poderá se apropriar dos créditos do imposto relativos às aquisições de combustíveis, lubrificantes, óleos, aditivos, fluídos, pneus, câmaras de ar e demais materiais rodantes, peças de reposição e outros produtos de manutenção da frota própria, inclusive tratores, máquinas e equipamentos, de sua propriedade, utilizados em sua atividade.
A propósito, no Paraná, o próprio regulamento do ICMS (aprovado pelo Decreto n.º 7.871/2017) esclarece a possibilidade de creditamento seu artigo 38:
Art. 38. Os produtores rurais, no momento da saída de produtos agropecuários, poderão abater do ICMS a recolher o imposto cobrado na operação de aquisição de insumos e de mercadorias, ainda que destinadas ao ativo permanente, e na prestação de serviços destinados à produção, na forma desta Seção, observado, no que couber, o disposto no § 3º do art. 26 deste Regulamento.
§ 1.º Para os efeitos deste artigo consideram-se insumos e serviços:
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VI – combustíveis, lubrificantes, óleos, aditivos, fluidos, pneus, câmaras de ar e demais materiais rodantes, peças de reposição e outros produtos de manutenção da frota própria, inclusive trator, utilizada no transporte de sua produção;
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§ 2.º Também será admitido, ao estabelecimento agroindustrial, o crédito de que trata o inciso VI do § 1º, no deslocamento de matéria-prima de origem vegetal diretamente do produtor para a indústria, desde que o transporte seja realizado por veículo da própria indústria.
Entendimento semelhante é adotado pela legislação tributária do Estado de São Paulo, que possibilita a tomada de créditos de ICMS sobre as aquisições de combustíveis empregados e consumidos em etapas produtivas, bem como na movimentação de insumos por veículos próprios com destino à industrialização, conforme Decisão Normativa CAT 1/2001:
ICMS – Dispõe sobre o direito ao crédito do valor do imposto destacado em documento fiscal referente a aquisição de insumos, ativo permanente, energia elétrica, serviços de transporte e de comunicações, combustível e mercadoria para uso ou consumo, entre outras mercadorias.
3.5 – combustível utilizado no acionamento, entre outros de máquinas, aparelhos e equipamentos, utilizados na industrialização, comercialização, geração de energia elétrica, produção rural e na prestação de serviços de transporte de natureza intermunicipal ou interestadual ou de comunicação veículos, exceto os de transporte pessoal (artigo 20, §2º da Lei Complementar nº 87/96), empregados na prestação de serviços de transporte intermunicipal ou interestadual ou de comunicação, na geração de energia elétrica, na produção rural e os empregados pelos setores de compras e vendas do estabelecimento veículos próprios com a finalidade de retirar os insumos ou mercadorias ou para promover a entrega das mercadorias objeto de industrialização e/ou comercialização empilhadeiras ou veículos utilizados, no interior do estabelecimento, na movimentação dos insumos ou mercadorias ou que contribuam na atividade industrial e/ou comercial ou de prestação de serviço do contribuinte.
Verifica-se que o estado de Santa Catarina destoa dos demais estados ao restringir a possibilidade de crédito, mesmo quando evidenciada a essencialidade e o consumo imediato e integral do óleo diesel que alimenta os veículos, máquinas e equipamentos das atividades florestais do setor.
Diante da relevância do óleo diesel como insumo para toda cadeia produtiva do setor florestal, muitos contribuintes buscam como alternativa a via judicial para obtenção do direito ao crédito.
Entretanto, considerando os diferentes entendimentos estabelecidos pela legislação tributária vigente, torna-se essencial uma avaliação cuidadosa das empresas, a fim de avaliar as alternativas que melhor se adequam às suas operações, identificando a que lhes proporciona o maior benefício econômico-tributário.
A Tróia encontra-se à disposição para esclarecimentos adicionais.
Gabriela Dellani Goetten e Vanessa Abatti
Setor de Tributos Indiretos