Comentários acerca da Solução de Consulta COSIT n° 145, de 15/12/2020, que reforma a Solução de Consulta COSIT n° 11, de 04/03/2020

A tributação, pelo IRPJ e pela CSLL, da parcela do lucro decorrente de incentivos e benefícios fiscais de ICMS concedidos pelos estados é matéria que suscita discussões entre o fisco federal e os contribuintes há décadas.
Em 2017, através da Lei Complementar nº 160, o Poder Legislativo Federal buscou dirimir esta questão, alterando o art. 30 da Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014.
A partir da publicação da referida Lei Complementar, “os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos” ao ICMS, concedidos pelos estados e pelo Distrito Federal, passaram a ser “considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos” no art. 30 da Lei nº 12.973/14 para sua exclusão do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
Com isso, viu-se emergir uma onda de otimismo que levou muitos contribuintes e tributaristas a crerem que, uma vez registrados em reserva de lucros e obedecidas as regras de destinação desta reserva, todo e qualquer incentivo fiscal de ICMS concedido pelos estados e Distrito Federal poderia ser excluído do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
A própria Receita Federal do Brasil, em análise no mínimo surpreendente (sob ponto de vista fiscal), inicialmente posicionou-se de forma amplamente favorável aos contribuintes em Soluções de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (COSIT), em especial a de n° 11, publicada em 09/03/2020. Veja-se a ementa da mencionada Solução de Consulta:
EMENTA
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ LUCRO REAL. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. BENEFÍCIOS VINCULADOS AO ICMS.
As subvenções para investimento podem, observadas as condições impostas por lei, deixar de ser computadas na determinação do lucro real. A partir do advento da Lei Complementar nº 160, de 2017, consideram-se como subvenções para investimento os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS concedidos por estados e Distrito Federal.
Dispositivos Legais: Lei nº 12.973, de 2014, art. 30; Lei Complementar nº 160, de 2017, arts. 9º e 10; Parecer Normativo Cosit nº 112, de 1978; IN RFB nº 1.700, de 2017, art. 198, § 7º.
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL LUCRO REAL. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. BENEFÍCIOS VINCULADOS AO ICMS.
As subvenções para investimento podem, observadas as condições impostas por lei, deixar de ser computadas na determinação da base de cálculo da CSLL. A partir do advento da Lei Complementar nº 160, de 2017, consideram-se como subvenções para investimento os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS concedidos por estados e Distrito Federal.
Dispositivos Legais: Lei nº 12.973, de 2014, arts. 30 e 50; Lei Complementar nº 160, de 2017, arts. 9º e 10; Parecer Normativo Cosit nº 112, de 1978; IN RFB nº 1.700, de 2017, art. 198, § 7º.
ASSUNTO: PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL
É ineficaz a consulta, não produzindo efeitos, quando não versar sobre a interpretação de dispositivos da legislação tributária. Dispositivos Legais: Decreto nº 70.235, de 1972, art. 52, I, c/c art. 46. (grifou-se)
Embora a ementa e a conclusão da citada Solução de Consulta ressaltassem que deveriam ser “observadas as condições impostas por lei”, a interpretação da imensa maioria dos profissionais foi no sentido de que a RFB autorizara a exclusão de todos os incentivos fiscais de ICMS do lucro real e da base de cálculo da CSLL.
Como era de se esperar, tal entendimento fiscal não durou muito tempo. Em 22/12/2020 foi publicada a Solução de Consulta COSIT n° 145, a qual reforma a Solução de Consulta COSIT n° 11/2020 e apresenta uma interpretação do Fisco mais acautelada da legislação, conforme pode ser observado na transcrição da ementa da nova solução de consulta:
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ
INCENTIVOS FISCAIS. INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS OU FINANCEIROS-FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. REQUISITOS E CONDIÇÕES.
A partir da Lei Complementar nº 160, de 2017, os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos por estados e Distrito Federal e considerados subvenções para investimento por força do § 4º do art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, poderão deixar de ser computados na determinação do lucro real desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Reforma a Solução de Consulta Cosit nº 11, de 4 de março de 2020.
Dispositivos Legais: Lei nº 12.973, de 2014, art. 30; Lei Complementar nº 160, de 2017, arts. 9º e 10; Parecer Normativo Cosit nº 112, de 1978; IN RFB nº 1.700, de 2017, art. 198, § 7º.
Assunto: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL
INCENTIVOS FISCAIS. INCENTIVOS E BENEFÍCIOS FISCAIS OU FINANCEIROS-FISCAIS RELATIVOS AO ICMS. SUBVENÇÃO PARA INVESTIMENTO. REQUISITOS E CONDIÇÕES.
A partir da Lei Complementar nº 160, de 2017, os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos por estados e Distrito Federal e considerados subvenções para investimento por força do § 4º do art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, poderão deixar de ser computados na determinação da base de cálculo da CSLL apurada na forma do resultado do exercício desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
Reforma a Solução de Consulta Cosit nº 11, de 4 de março de 2020.
Dispositivos Legais: Lei nº 12.973, de 2014, arts. 30 e 50; Lei Complementar nº 160, de 2017, arts. 9º e 10; Parecer Normativo Cosit nº 112, de 1978; IN RFB nº 1.700, de 2017, art. 198, § 7º.
Assunto: Processo Administrativo Fiscal
É ineficaz a consulta, não produzindo efeitos, quando não versar sobre a interpretação de dispositivos da legislação tributária.
Dispositivos Legais: Decreto nº 70.235, de 1972, art. 52, I, c/c art. 46. (grifou-se)
Perceba-se que, ao invés de fazer constar de maneira genérica a necessidade de cumprimento das condições impostas pela Lei n° 12.973/2014, para fins de exclusão da base de cálculo do IRPJ e CSLL, o Fisco detalha na recém publicada Solução de Consulta COSIT n° 145 quais seriam essas condições, veja-se:
25 … A LC nº 160, de 2017, atribui a qualificação de subvenção para investimento aos incentivos e os benefícios fiscais ou econômico-fiscais atinentes ao ICMS e determina que, para receberem o tratamento tributário previsto no art. 30, não poderão ser exigidos requisitos ou condições que não estejam previstos neste artigo. Ou seja, devem esses incentivos e benefícios equiparados à subvenção para investimento para fins deste dispositivo, dentre outros requisitos, terem sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, bem como devem ser contabilmente registrados conforme determina o citado dispositivo.
(…)
29 Por conseguinte, ainda que qualificado pelo legislador como uma subvenção para investimento, os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS só receberão o tratamento conferido pelo art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, caso tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, e obedeçam as demais prescrições previstas naquele artigo.
(…)
Conclusão
36 À vista do exposto, responde-se a consulente que, a partir do advento da Lei Complementar nº 160, de 2017, os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos por estados e Distrito Federal e considerados subvenções para investimento por força do § 4º do art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, poderão deixar de ser computados na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos (grifou-se).
Com base neste mesmo raciocínio foram (e ainda estão sendo) proferidos acórdãos pelo CARF amparados na análise da legislação estadual que concede incentivos fiscais de ICMS e na certificação de que havia, de fato, a intenção do legislador em fomentar investimentos. Exemplos: Acórdão nº 1402-004.539 – 1ª Seção de Julgamento / 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária (11/03/2020), Acórdão n° 1402-004.008 – 1ª Seção de Julgamento / 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária (13/08/2019) e Acórdão nº9101-004.336 – CSRF / 1ª Turma (07/08/2018).
O atual entendimento da Receita Federal, alinhado ao posicionamento do CARF, foi antecipado pela Tróia Consultoria em artigo publicado em 18/05/2020 (https://troiaconsultoria.com.br/contribuintes-devem-estar-atentos-ao-cumprimento-dos-requisitos-legais-para-deixar-de-tributar-pelo-irpj-e-csll-o-valor-dos-incentivos-fiscais-do-icms-auferidos/), no qual afirmou-se que os incentivos fiscais de ICMS são classificados como subvenções para investimento, nos termos do § 4° do art. 30 da Lei n° 12.973/2014 (inserido pela LC 160/2017), porém a sua exclusão do lucro real dependerá do cumprimento dos demais requisitos elencados no mencionado artigo, a exemplo do caput, que determina que o incentivo seja concedido “como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos” e, também, que os recursos da subvenção sejam registrados em reserva de lucros para absorção de prejuízos ou aumento do capital social.
Como dito anteriormente, a matéria é muito mais complexa que parece. Além dos pontos mencionados acima, há outros que, se não observados, implicarão exposição a riscos de vultosas autuações fiscais.
Há também discussões em andamento na esfera judicial que podem alterar o entendimento acerca da matéria.
Diante deste cenário, e alinhado aos princípios preconizados e praticados pela Tróia, recomenda-se cautela e conhecimento aprofundado do tema por parte dos contribuintes, pois eventual revés nesta matéria pode gerar impactos negativos de grande proporção em seus respectivos patrimônios.
Afonso Baldissera
Setor de Tributos Sobre a Renda