A polêmica envolvendo os créditos de PIS e COFINS sobre propaganda, publicidade e marketing

A sistemática de apuração não cumulativa das contribuições para o PIS e à COFINS tem provocado inúmeras discussões entre fisco e contribuintes desde a sua instituição, especialmente no que concerne ao direito de crédito em relação aos bens e serviços utilizados como insumos. Na atualidade, umas das principais polêmicas diz respeito ao desconto de créditos sobre despesas com propaganda, publicidade e marketing.
Para a devida compreensão da controvérsia, apresenta-se inicialmente a hipótese legal que prevê o direito de crédito em relação aos insumos, a evolução jurisprudencial da matéria na esfera judicial e os desdobramentos de sua aplicação no âmbito administrativo.
O art. 3º, inciso II, das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, trata da possibilidade das empresas que apurarem as contribuições ao PIS e COFINS pela sistemática da não cumulatividade descontarem créditos das referidas contribuições em relação a “bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes”.
Após longo período de disputa na esfera administrativa, a discussão a respeito de quais bens e serviços se enquadrariam no conceito de insumo gerador de crédito de PIS/COFINS foi levada à apreciação do Poder Judiciário.
Em 22/02/2018, a Primeira Seção do STJ concluiu o julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170/PR, processado sob o rito dos recursos repetitivos, reconhecendo a ilegalidade das Instruções Normativas nº 247/2002 e nº 404/2004, que restringiram o conceito de insumo, e assentando que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item (bem ou serviço) para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.
Pela análise do caso concreto apreciado pelo STJ no REsp nº 1.221.170/PR, observa-se que a discussão girou em torno dos seguintes itens que a contribuinte, empresa industrial do ramo alimentício, com atuação específica na avicultura, pretendia enquadrar como insumos para fins de aproveitamento de créditos de PIS/COFINS não cumulativos:
A) Custos Gerais de Fabricação, englobando água, combustíveis e lubrificantes, veículos, materiais e exames laboratoriais, equipamentos de proteção individual – EPI, materiais de limpeza, seguros, viagens e conduções; e
B)Despesas Gerais Comerciais / Despesas com Vendas, incluindo combustíveis, comissão de vendas, gastos com veículos, viagens, conduções, fretes, prestação de serviços – PJ, promoções e propagandas, seguros, telefone e comissões.
Conforme se extrai do voto do Relator, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, o recurso repetitivo foi provido apenas para devolver os autos ao Tribunal de Origem para exame da essencialidade e relevância em relação aos custos e despesas com água, combustíveis e lubrificantes, materiais e exames laboratoriais, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual – EPI. Considerou-se ali que as despesas gerais comerciais, aí incluídas as despesas com promoções e propagandas, não são essenciais ao processo produtivo da empresa que atua no ramo de alimentos.
Mais tarde, com o propósito de apresentar as principais repercussões no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, foi editado o Parecer Normativo COSIT/RFB nº 05, de 17/12/2018, no qual consta a análise geral do conceito de insumo definido no julgamento do REsp nº 1.221.170/PR e são relacionadas algumas aplicações específicas do conceito de insumo em relação às principais categorias de itens analisadas regularmente pelas Autoridades Fiscais.
Dentre as conclusões apresentadas no referido Parecer, ressalta-se a inexistência de insumos na atividade comercial (tratada nos parágrafos 40 a 44) e a impossibilidade de créditos em relação aos gastos posteriores à finalização do processo de produção ou prestação (abordada nos parágrafos 55 a 61), salvo nos casos em que os bens e serviços utilizados nas fases posteriores tenham sua utilização decorrente de imposição legal.
Ainda no mesmo sentido, foi editada a Instrução Normativa RFB nº 1.911, de 11/10/2019, norma que consolida e regulamenta a apuração, cobrança, fiscalização e arrecadação do PIS/COFINS, trazendo de forma expressa que consideram-se insumos “bens ou serviços que, mesmo utilizados após a finalização do processo de produção, de fabricação ou de prestação de serviços, tenham sua utilização decorrente de imposição legal” (art. 172, § 1º, inciso I), e que não são considerados insumos “bens e serviços utilizados, aplicados ou consumidos em operações comerciais” (art. 172, § 2º, inciso VII).
Não restam dúvidas que, do ponto de vista fiscal, os gastos incorridos na atividade comercial não são passíveis de enquadramento como insumos para o desconto de créditos de PIS/COFINS não cumulativos. Vale destacar que as disposições contidas no Parecer e na Instrução Normativa mencionados são vinculantes no âmbito da RFB.
Não obstante, em decisões recentes, o CARF admitiu a apropriação de créditos de PIS/COFINS sobre despesas de publicidade, propaganda e ações de marketing em casos específicos, observando-se as particularidades da atividade operacional desenvolvida pelos contribuintes. Os casos em questão envolvem as empresas Visa, Natura e Lojas Insinuante (Ricardo Eletro).
Para melhor compreensão dos motivos que levaram o CARF a aceitar os créditos sobre despesas relacionadas a publicidade, propaganda e marketing e dos fundamentos adotados, apresenta-se um breve relato de cada caso:
A) No caso da Visa, os conselheiros entenderam que a natureza dos serviços prestados aos seus clientes (emissores e credenciadores), que é de onde advém a receita tributável pelo PIS/COFINS, são essencialmente ligados ao marketing.
Pelos contratos de prestação de serviços firmados com os clientes, as notas fiscais e o contrato social apresentados, os conselheiros entenderam que ficou evidenciado que os serviços prestados pela Visa estão relacionados à promoção e marketing, e não simplesmente serviços de “administração e operação”. No Contrato Social consta dentre as atividades desenvolvidas “ações gerais de marketing relacionadas à divulgação e/ou promoção dos produtos da marca “VISA””.
Conforme consta da decisão, a “função” de existir da Visa é desenvolver a sua própria marca. A Visa não assume, com seus clientes, nenhuma outra obrigação que não a de ter um nome reconhecido e abrangente, o que só se alcança pela publicidade. Quanto mais forte o nome “Visa”, mais os seus clientes (emissores e credenciadores) irão vender, sejam cartões, sejam serviços de recebimento. Logo, a necessidade de realização de atividades de marketing não pode, jamais, ser entendida como tangencial, acidental ou mesmo acessória. Ela é intrínseca à sua atividade fim, qual seja manter sua marca em evidência.
O tipo de operação de marketing realizado pela Visa não se confunde, por exemplo, com o marketing realizado por empresas varejistas. Até porque, veja-se, as ações de marketing realizadas pela VISA sequer buscam alcançar os seus clientes (emissores e credenciadores), mas, sim, “os clientes dos seus clientes”, no caso, usuários finais.
Trata-se do Acórdão nº 3201-005.668, proferido na sessão de 21/08/2019, pela 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento do CARF.
B) O caso da Natura trata, na realidade, da empresa Natura Inovação e Tecnologia de Produtos Ltda., braço da empresa responsável pela parte de inovação e tecnologia.
Conforme se infere da decisão, a receita de prestação de serviços da Natura Tecnologia e Inovação fora auferida exclusivamente de contratos firmados com a Natura Cosméticos S.A., e, para tanto, a primeira firmou outros contratos com prestadores de serviços, aí incluídas as despesas de propaganda e marketing.
Nesse tocante, foi constatado que os serviços prestados pela Natura Tecnologia e Inovação envolvem não só as atividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, matérias-primas e novas tecnologias, como também o estudo da viabilidade econômica desses novos produtos, definição da estratégia de lançamento no mercado e validação de resultados.
Diante disso, concluiu-se que o escopo dos serviços prestados pela empresa envolve, diretamente, atividades de marketing, propaganda, bem como outras atividades relacionadas à promoção e ao lançamento dos produtos desenvolvidos.
Trata-se do Acórdão nº 3401-005.291, proferido na sessão de 29/08/2018, pela 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento do CARF.
C) No caso das Lojas Insinuante (atual Ricardo Eletro), a autoridade julgadora reconheceu o direito aos créditos de PIS/COFINS sobre despesas com publicidade e propaganda somente porque há uma receita como contrapartida cobrada de seus fornecedores de bens de consumo, destinada especificamente para fins de marketing e publicidade, tributada pelas mesmas contribuições.
Neste caso, a Ricardo Eletro recebe das indústrias as chamadas Verbas de Propaganda/Publicidade Cooperada (VCP), que são valores destinados a ações de marketing que promovam os produtos do fabricante comercializados nos estabelecimentos da varejista. Esta receita é tributada pelo PIS/COFINS.
Por outro lado, a Ricardo Eletro incorre em despesas com a contratação de agências de publicidade, que são essenciais para viabilizar as atividades de marketing e promoção dos produtos dos fabricantes, motivo pelo qual foi reconhecido o direito de crédito.
Neste caso específico, a DRJ já havia reconhecido o direito de crédito sobre as despesas com propaganda e publicidade, por considerar que a empresa desenvolve atividade de publicidade que, embora não seja a principal, representa uma linha operacional da empresa diversa da revenda de bens. O entendimento foi mantido pelo CARF.
A decisão representa um importante precedente para o setor varejista, por relativizar a suposta restrição que o comércio teria no tocante ao crédito sobre “insumo” que, do ponto de vista fiscal, só seria admitido nas atividades de produção/industrialização e de prestação de serviços.
Trata-se do Acórdão nº 3302-008.120, proferido na sessão de 29/01/2020, pela 2ª Turma da 3ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento do CARF.
Como é possível perceber, os precedentes do CARF não são aplicáveis de forma irrestrita a todo e qualquer contribuinte que incorra em despesas com propaganda, publicidade e ações de marketing. Nos casos em destaque, foram avaliadas as circunstâncias específicas de cada atividade para determinar que os gastos são efetivamente essenciais ao processo operacional dos contribuintes.
Por todo o exposto, no cenário atual, não é possível asseverar que as despesas com publicidade, propaganda, ações de marketing e outros gastos incorridos na atividade comercial serão aceitas como insumos para fins de aproveitamento de créditos de PIS/COFINS não cumulativos. Caberá ao CARF ou até mesmo ao Poder Judiciário definir esta questão.
Tiago Peretti
Setor de PIS/COFINS