A Reforma Tributária e os novos cenários em operações M&A

O sistema tributário brasileiro passa por uma grande reestruturação, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023 e da Lei Complementar nº 214/2025, que instituíram um novo modelo de tributação sobre o consumo mediante a criação de três novos tributos principais: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS), que substituirão os atuais PIS, COFINS, ICMS e ISS. O IPI também será praticamente extinto, mantendo-se apenas em relação aos produtos que tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus.
Este novo modelo tributário, que será implementado de forma gradual no período entre 2026 e 2033, trará desafios de adaptação às estruturas empresariais e exigirá revisão de planejamentos tributários, contratuais e societários vigentes atualmente.
É importante salientar, no entanto, que permanecem em tramitação os projetos legislativos complementares, como o Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, em que se pretende instituir o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços – CG-IBS, e dispor sobre o processo administrativo tributário relativo ao lançamento de ofício do Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, sobre a distribuição para os entes federativos do produto da arrecadação do IBS, e sobre o Imposto sobre Transmissão Causa mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, entre outras providências.
O quadro a seguir resume o processo de implementação da reforma tributária do consumo:
Imagem: Períodos de Transição da Reforma Tributária
Fonte: Adaptado de Gov.br, Receita Federal do Brasil, 2025.
Além das alterações relativas à tributação sobre o consumo, há importantes alterações já introduzidas pela EC nº 132/2023 também no âmbito do ITCMD, que aguardam publicação de lei complementar para dispor sobre as seguintes matérias:
- Tributação de doações e heranças nas situações em que o doador, o donatário ou os bens estejam localizados no exterior (16 da EC 132/2023).
- O Estado de domicílio do de cujus terá competência para cobrar o ITCMD devido na herança com inventário extrajudicial (inciso III, do art. 16 da EC 132/2023).
- Aplicação de alíquotas progressivas (150 da Constituição Federal, alterada pela EC nº 132/2023), com base no valor da doação ou herança, limitadas atualmente em 8% (Resolução do Senado Federal nº 9 de 1992), com possibilidade de majoração para 16% (Projeto de Resolução do Senado nº 57/2019) ou de redução para 4% (PL nº 409/2025 da Assembleia Legislativa de São Paulo – ALESP).
Neste contexto, é importante que os contribuintes que estejam planejando realizar operações sujeitas à incidência destes novos tributos considerem as alterações que estão sendo promovidas para evitar eventual tributação mais onerosa.
ALTERAÇÕES RELATIVAS A OPERAÇÕES SOCIETÁRIAS
Em conformidade com as legislações aplicáveis, a Lei Complementar nº 214 estabeleceu as hipóteses em que ocorrerá ou não a incidência do IBS e da CBS, no contexto das operações de natureza societárias.
Nesse sentido, ocorrerá incidência de IBS e CBS nas seguintes operações:
- Transmissão de bens a sócios ou acionistas, quando esses bens resultaram em apropriação de créditos pelo contribuinte.
- No fornecimento gratuito ou por valor inferior ao de mercado de bens e serviços entre partes relacionadas. Para fins de aplicação desta norma, são partes relacionadas “quando no mínimo uma delas estiver sujeita à influência, exercida direta ou indiretamente por outra parte, que possa levar ao estabelecimento de termos e de condições em suas transações que divirjam daqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis”, conforme disposto nos §2º e 3º do artigo 4º da LC 214/2025.
Por outro lado, a legislação prevê as hipóteses de não incidência de IBS e CBS:
- Transferência de bens entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo contribuinte.
- Baixa, liquidação, transmissão ou alienação de participação societária (desde que não constituam, em sua essência, operação onerosa com bem ou serviços – 1º, art. 6º da LC 214/2025).
- Transmissão de bens em decorrência de fusão, cisão, incorporação, integralização ou devolução de capital.
No que tange às doações de bens ou serviços, a tributação pelo IBS e pela CBS, ocorrerá com base no valor de mercado do bem ou serviço doado, quando esses tenham sido objeto de apropriação de créditos pelo doador, alternativamente, o contribuinte tem a opção de anular os créditos correspondentes, evitando a tributação sobre a operação.
A partir da Reforma Tributária, quem será tributado será diretamente o consumidor final, independentemente do local de origem do produto ou da prestação de serviço. Já em relação aos créditos tributários, ficou previsto uma sistemática diferente do que é praticado atualmente: no regime atual, o aproveitamento dos créditos independe do efetivo recolhimento do tributo. Porém, com a reforma tributária, o aproveitamento do crédito estará condicionado ao efetivo recolhimento do tributo. Esse aspecto traz reflexos diretos na avaliação de fornecedores, já que a inadimplência poderá comprometer a cadeia de créditos.
IMPACTOS DA REFORMA TRIBUTÁRIA NAS OPERAÇÕES DE M&A
O advento da reforma tributária exigirá uma reanálise dos métodos tradicionais de avaliação de empresas (valuation), em especial no âmbito das operações de fusões e aquisições (M&A). A transformação do cenário tributário exige uma análise futura a curto e a longo prazo, modificando os métodos tradicionais utilizados, os quais consideravam, muitas vezes, apenas a rentabilidade histórica. Esse parâmetro não pode ser mais considerado isoladamente, uma vez que essa lucratividade, anterior a reforma tributária pode estar relacionada a situações que serão extintas ou modificadas.
Essa reestruturação tributária traz a necessidade de reanálise da viabilidade das estruturas operacionais com visão para um novo cenário, em especial, realizando a gestão das operações logísticas com os benefícios fiscais. Com a substituição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), recolhido atualmente na origem, pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será pago no destino, a racionalidade logística e fiscal deve ser reavaliada. Operações que atualmente se mostram vantajosas, em um cenário tributário a médio e longo prazo, podem tornar-se inviáveis ou demasiadamente onerosas.
Como o objetivo central da reforma tributária é a simplificação e a uniformização do sistema, será instituído o regime não cumulativo para todas as pessoas jurídicas, inclusive àquelas que hoje operam através do regime cumulativo, a exemplo das optantes do lucro presumido. Com isso, assegurar-se-á a todas as empresas o direito à apropriação de créditos sobre a maioria das aquisições realizadas, ocasionando relevantes mudanças nos mecanismos de controle, na apuração dos custos e na dinâmica dos processos como um todo.
Diante desse cenário, para o cálculo do valuation, deverá ser levado em consideração o cenário atual, transicional e pós-reforma tributária. Destaca-se também, como aspecto crucial nesse processo, os contratos de longo prazo já celebrados, os quais poderão ser reexaminados a fim de refletir os impactos da reforma, tanto em relação ao recolhimento dos tributos, quanto à apuração e manutenção de créditos fiscais.
Outro ponto de atenção no valuation é a existência de créditos acumulados. No que se refere a PIS e à COFINS, o artigo 378 da Lei Complementar nº 214/2025 estabelece que os saldos credores poderão ser compensados diretamente com a CBS ou com demais tributos federais, bem como monetizados.
Para os créditos de ICMS, os artigos 151 e 152 do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108/2024 detalham como se dará o aproveitamento. De forma geral e resumida, os saldos credores homologados poderão ser compensados com o IBS e, na impossibilidade de compensação, o contribuinte terá direito ao ressarcimento em parcelas mensais, sendo de 240 meses para créditos gerais e 48 meses para créditos de ativo permanente.
Em resumo, a nova realidade tributária exige que o processo de valuation seja conduzido de forma abrangente, contemplando, dentre os itens tradicionais, os benefícios fiscais atuais e suas alterações/extinções, regularidade fiscal da cadeia de fornecedores (tendo em vista que a inadimplência destes poderá inviabilizar a apropriação de créditos), a gestão de créditos acumulados e a revisão dos contratos vigentes atualmente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a implementação da reforma tributária faz-se necessária uma reanálise e reestruturação dos processos e estratégias a partir da nova realidade fiscal, com o objetivo de mitigar riscos e onerosidade, garantindo uma transição estável, minimizando os impactos econômicos/financeiros. No âmbito das operações de fusões e aquisições (M&A) é imprescindível a adoção de cautela, visto que determinadas decisões podem comprometer a viabilidade do negócio e/ou da negociação, sendo que uma vez concretizadas, podem ser de difícil ou impossível reparação.
Neste contexto, o planejamento e o conhecimento multidisciplinar são cruciais para a identificação das soluções mais eficazes, assegurando a conformidade e a eficiência fiscal em todas as fases da reforma tributária e da própria operação societária.
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Kellen Kristine Perazzoli
Setor Societário